1968: O Protesto dos Punhos Cerrados no Pódio

Durante o século XX, o esporte passou a ocupar um espaço que ia muito além da competição. Em alguns momentos, ele se tornou um reflexo direto das tensões e transformações sociais ao redor do mundo. Foi exatamente isso que aconteceu nas Olimpíadas de 1968, na Cidade do México. Em pleno pódio, dois atletas americanos, Tommie Smith e John Carlos, protagonizaram um dos protestos mais marcantes da história moderna: punhos cerrados e erguidos em pleno hino dos Estados Unidos. Um gesto simples, mas que sacudiu o mundo.

Os anos 60 foram uma década de agitação. Em 1968, o planeta fervia com protestos e revoltas: estudantes franceses lotavam as ruas de Paris; nos Estados Unidos, a guerra do Vietnã era cada vez mais impopular; no México, manifestantes foram reprimidos violentamente dias antes da abertura dos Jogos; e, principalmente, a luta pelos direitos civis da população negra americana ganhava força. Era um momento em que o silêncio se tornava quase impossível.

Tommie Smith e John Carlos não eram apenas atletas. Eram homens negros vivendo em um país que ainda não garantia dignidade e igualdade para todos. Nascidos em famílias humildes, ambos cresceram enfrentando o racismo, a pobreza e as dificuldades típicas da população negra nos Estados Unidos daquela época. Eles faziam parte do projeto “Olympic Project for Human Rights”, um movimento liderado por atletas que denunciava o racismo no esporte e na sociedade americana. Eles não estavam ali apenas para correr — estavam ali para serem ouvidos.

Na final dos 200 metros rasos, Tommie Smith conquistou o ouro com um tempo recorde mundial. John Carlos ficou com o bronze. No momento da premiação, enquanto o hino dos EUA tocava, os dois subiram ao pódio com meias pretas, sem sapatos (representando a pobreza), e ergueram os punhos, usando luvas pretas: um símbolo do Black Power, do orgulho negro e da resistência. Eles também usavam broches do Olympic Project for Human Rights.

Ao lado deles, no segundo lugar do pódio, estava o velocista australiano Peter Norman, que, mesmo sendo branco e vindo de um outro contexto, entendeu a importância do gesto. Ele também usava o mesmo broche em apoio ao protesto dos colegas. Norman havia sido criado em um ambiente conservador, mas acreditava na igualdade e na justiça social. Sua solidariedade custou caro: mesmo sendo o segundo melhor do mundo, ele foi ignorado pelo Comitê Olímpico Australiano nas Olimpíadas seguintes e caiu no esquecimento.

A reação ao gesto foi imediata — e brutal. Smith e Carlos foram expulsos da Vila Olímpica, sofreram represálias nos Estados Unidos, perderam oportunidades de trabalho, patrocínio, foram ameaçados e tachados de “antipatriotas”. Ainda assim, nunca se arrependeram. Sabiam que estavam fazendo história. A imagem dos punhos cerrados virou símbolo da luta por direitos civis no mundo inteiro.

A vida após o protesto não foi fácil. Tommie Smith seguiu carreira como professor e palestrante. John Carlos passou por momentos difíceis, chegou a viver na pobreza, mas mais tarde também voltou a trabalhar com esporte e educação. Ambos só foram reconhecidos oficialmente décadas depois. Peter Norman, por sua vez, foi homenageado postumamente em 2012, quando o parlamento australiano pediu desculpas pelo tratamento injusto que ele recebeu.

Nesse episódio e no último artigo, foi possível perceber como o esporte pode ser — e muitas vezes é — um espaço político. Por mais que exista uma tentativa constante de separar o “campo” do “mundo real”, os corpos que correm, saltam e lutam carregam histórias, dores e causas. O gesto de 1968 segue atual. Em tempos de redes sociais, joelhos no chão, faixas de protesto e manifestações contra o racismo e outras formas de opressão, o que Tommie Smith, John Carlos e Peter Norman fizeram ainda inspira.

1968 escancarou como o esporte, mesmo sendo vendido como símbolo de união e neutralidade, nunca esteve alheio às tensões sociais e políticas. O gesto de Tommie Smith e John Carlos ecoa até hoje como um dos maiores símbolos da resistência negra e da luta por justiça. Mais do que um protesto, foi um grito por igualdade e dignidade num momento em que o mundo parecia desmoronar em conflitos. A memória desse ato segue viva. Em tempos em que manifestações políticas no esporte ainda geram polêmica (como o caso do jogador de futebol Paulinho em 2023, atleta do Atlético Mineiro que sofreu intolerância religiosa por seguir uma religião afro-brasileira). A  história nos mostra que a luta por direitos muitas vezes precisa de coragem, mesmo quando tudo e todos parecem contra. O punho cerrado, nesse sentido, não foi apenas um gesto: foi um símbolo eterno de resistência.

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