A geopolítica é como uma lente que revela como o poder é disputado, consolidado e transformado no cenário internacional. Desde o século XIX, pensadores e estrategistas tentam decifrar os padrões que influenciam a ascensão e queda de grandes potências — seja pelo domínio de territórios, rotas marítimas, economias ou pela força cultural. A seleção de 15 obras essenciais sobre o tema reflete essas diferentes correntes de pensamento e oferece um panorama abrangente sobre como o poder global se movimenta. No fundo, a geopolítica não é uma ciência exata, revelando-se um mosaico de estratégias, território, economia e até pulsões coletivas.
O Coração da Geopolítica: Por que o Espaço Importa?
Na visão tradicional, o território ocupa posição central na busca pelo poder. Halford J. Mackinder, considerado um dos fundadores da geopolítica, formulou em The Geographical Pivot of History (1904) a famosa teoria do Heartland que surge para legitimar a divisão do mundo em zonas de influência — dinâmica que persiste nas estratégias de potências contemporâneas. Em síntese, ele defendia que “quem governa o Leste Europeu comanda o Heartland; quem governa o Heartland comanda a Ilha Mundial; quem governa a Ilha Mundial comanda o mundo.” Mais tarde, em Democratic Ideals and Reality (1919), Mackinder enfatizava que as democracias ocidentais não poderiam ignorar realidades geográficas e geopolíticas se quisessem manter seu peso no cenário global.
Nicholas J. Spykman, em America’s Strategy in World Politics (1942), contrapôs Mackinder ao desenvolver a teoria do Rimland, apontando que o controle das regiões costeiras da Eurásia seria ainda mais decisivo do que a área central do continente. Ele alertava: “Quem controla o Rimland governa a Eurásia; quem governa a Eurásia controla os destinos do mundo.”
Friedrich Ratzel e Karl Haushofer também contribuíram muito para o pensamento geopolítico, especialmente na Alemanha. Ratzel, em Political Geography, introduziu o conceito de Lebensraum (espaço vital), depois distorcido para justificar a expansão territorial nazista. Já Haushofer, em Geopolitik des Pazifischen Ozeans (1924), analisou a geopolítica do Pacífico, salientando a relevância estratégica da Ásia.
Alfred Thayer Mahan, por sua vez, defendia a supremacia naval. Em The Influence of Sea Power upon History: 1660-1783 (1890), argumentava que “o controle dos mares é a chave para a supremacia global”, tese que influenciou a expansão naval dos Estados Unidos e outras potências marítimas ao longo do século XX.
A Geopolítica Contemporânea: Estratégias e Conflitos
No século XXI, a geopolítica ganhou novas facetas, ajustando-se às transformações tecnológicas, econômicas e políticas. Robert D. Kaplan, em A Vingança da Geografia (2012), reforça a ideia de que “a geografia é a sentença do destino”, mostrando como o ambiente físico continua a orientar as decisões geopolíticas dos Estados.
Tim Marshall, em Prisioneiros da Geografia (2015), populariza esse conceito ao exemplificar como montanhas, rios e desertos ainda limitam (ou potencializam) as decisões nacionais. “Os líderes mundiais podem ignorar a geografia, mas ela não os ignora”, diz Marshall, ressaltando a importância desses fatores para as disputas de poder.
Zbigniew Brzezinski, em O Grande Tabuleiro de Xadrez (1997), analisa a política externa dos EUA e a luta pela hegemonia na Eurásia. Ele ressalta: “Nenhuma grande potência pode permitir que outra potência controle a Eurásia sem ameaçar sua própria segurança.”
John Mearsheimer, em A Tragédia da Política das Grandes Potências (2001), traz o realismo ofensivo, sugerindo que a competição pelo poder é inevitável. “A lógica da anarquia internacional obriga as grandes potências a buscar dominação porque a segurança nunca está garantida.”
Andrew Korybko, em Guerras Híbridas (2015), mergulha nos conflitos modernos, que misturam guerra convencional, ataques cibernéticos e estratégias assimétricas, ampliando ainda mais o campo de batalha global.
Geopolítica e Cultura: Emoções e Conflitos Civilizacionais
A geopolítica não se resume a estratégias militares e controle de territórios. Samuel P. Huntington, em O Choque de Civilizações (1996), propõe que os conflitos futuros serão moldados mais por diferenças culturais e religiosas do que por ideologias. “O próximo grande conflito global será entre civilizações”, escreve ele, sugerindo que a identidade cultural pode dividir o mundo no século XXI.
Dominique Moïsi, em Geopolítica da Emoção (2009), traz uma visão original ao afirmar que emoções coletivas — como medo, esperança e humilhação — também moldam o comportamento dos Estados. Para ele, “o medo domina o Ocidente, a esperança impulsiona a Ásia e a humilhação define o mundo árabe.”
Parag Khanna, em The Future Is Asian (2019), reforça a força da Ásia na transformação do cenário global, ao dizer que “o futuro será marcado por um mundo multipolar, com a Ásia em posição de destaque.”
Incorporação de Outras Perspectivas: Hard Power e Soft Power
Além do poderio militar (hard power) e do controle territorial, vale mencionar a importância do “soft power”, conceito difundido por Joseph Nye para evidenciar como a influência cultural, ideológica e tecnológica (cinema, redes sociais, grandes empresas de tecnologia etc.) pode ser tão decisiva quanto a força bélica. Sob esse ponto de vista, a conquista de “corações e mentes” por meio de bens culturais (música, filmes, moda, esportes) torna-se parte fundamental do tabuleiro geopolítico, pois molda preferências políticas, valores e até a percepção de legitimidade.
Essa dinâmica conecta-se diretamente com as noções de “emoções coletivas” e “choque de civilizações”, na medida em que o campo simbólico e cultural também impulsiona — e muitas vezes intensifica — as disputas por influência global. Portanto, a geopolítica contemporânea não se limita à disputa por territórios ou recursos naturais, mas se estende ao domínio das narrativas, das ideias e da capacidade de atrair ou persuadir outros Estados e populações.
A Transformação do Poder na Era Moderna
O avanço tecnológico e a descentralização do poder também refletem na geopolítica. Moisés Naím, em O Fim do Poder (2013), afirma que “o poder está se fragmentando e se redistribuindo”, dificultando ainda mais a manutenção de influências globais pelos Estados e instituições tradicionais.
Dan Power, em Geopolítica Hoje (2023), atualiza essa discussão ao destacar a nova ordem global, marcada pelo confronto entre o bloco ocidental e a ascensão de China e Rússia. “A geopolítica do século XXI não é apenas uma disputa entre países, mas entre modelos de civilização.”
Conclusão: O Mercado do Caos e a Lógica do Poder Global
Se há algo que a geopolítica revela, é que o mundo se parece a um tabuleiro onde as peças se movem pelo cálculo frio da dominação, e não pela lógica da justiça. A geografia, essa velha carcereira das nações, determina não apenas fronteiras, mas destinos de milhões de pessoas — que, muitas vezes, nem foram consultadas sobre as guerras que lutam ou os territórios que defendem. E, no fim do dia, o que impulsiona essa luta senão o capital? A geopolítica, apesar de suas formulações elegantes, muitas vezes se reduz à “matemática do saque” — a ciência por trás de como recursos e mercados são disputados.
As guerras transformam-se em negócios lucrativos: o complexo industrial-militar prospera entre escombros, gerando fortunas para poucos, ao custo de inúmeras vidas. Petróleo, lítio, água potável —tudo tem dono e, se não tiver, passa a ter. Em O Grande Tabuleiro de Xadrez, Brzezinski chega a tratar a Eurásia como uma commodity a ser administrada, priorizando fluxos de riqueza que sustentam interesses específicos. Assim, a geopolítica torna-se a arte de subjugar povos, extrair recursos e preservar privilégios.
A teoria do Heartland de Mackinder, a do Rimland de Spykman e o poder naval de Mahan surgiram para legitimar a expansão e a divisão do mundo em zonas de influência. Como bem pontua John Mearsheimer, a disputa por poder é incessante. Não necessariamente por um instinto inerente de dominação, mas por ser um negócio lucrativo.
Guerras são financeiramente vantajosas: cada bomba usada precisa ser reposta, cada cidade devastada demanda reconstrução, cada exército mobilizado consome bilhões. E quem lucra com tudo isso? O complexo industrial-militar, que se fortalece enquanto milhões morrem em conflitos muitas vezes planejados em reuniões empresariais.
A modernidade não suavizou essa realidade; apenas a tornou mais sofisticada. Como Moisés Naím sugere em O Fim do Poder, o controle passa cada vez mais para atores descentralizados, mas isso nem sempre significa justiça social. Grandes impérios agem por meio de corporações, golpes financeiros e revoluções “coloridas” planejadas em escritórios de potências ocidentais.
Samuel Huntington, em O Choque de Civilizações, afirmou que os conflitos futuros seriam culturais. Mas o que realmente separa as “civilizações” pode ser, na prática, o poder aquisitivo. O choque de civilizações é, muitas vezes, o choque entre os que detêm recursos e os que jamais terão acesso a eles.
Hoje, a geopolítica mais refinada ainda mantém laivos de colonialismo: a pilhagem de recursos naturais são apropriados sob o verniz de “intervenções humanitárias” e discursos de democracia. As populações continuam sendo colocadas à venda, e agora chamamos esse processo de “cooperação internacional.”
No final das contas, a geopolítica contemporânea reflete a narrativa construída pelos detentores do poder para justificar a dominação. Deveria ser a arte de compreender o mundo, mas muitas vezes se limita a um manual sobre como explorá-lo de forma mais eficiente. Enquanto essa lógica persistir, haverá mais guerras, mais divisões e mais exploração. Seguimos assim, prisioneiros da geografia e reféns de um modelo que transforma tudo — até nossa dignidade — em mercadoria.
Nota do Autor: o texto continua após as referências bibliográficas. rsrs
Referências Bibliográficas
BRZEZINSKI, Zbigniew. O Grande Tabuleiro de Xadrez: A supremacia americana e seus imperativos geoestratégicos. Cia das Letras, 1997.
HUNTINGTON, Samuel P. O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial. Objetiva, 1996.
KAPLAN, Robert D. A Vingança da Geografia: O que os mapas nos dizem sobre os conflitos futuros e a batalha contra o destino. Elsevier, 2012.
KHANNA, Parag. The Future Is Asian: Commerce, Conflict, and Culture in the 21st Century. Simon & Schuster, 2019.
KORYBKO, Andrew. Guerras Híbridas: Das revoluções coloridas aos golpes políticos. Moscow University Press, 2015.
MACKINDER, Halford J. Democratic Ideals and Reality: A Study in the Politics of Reconstruction. Constable, 1919.
MAHAN, Alfred T. The Influence of Sea Power upon History, 1660-1783. Little, Brown, and Co, 1890.
MARSHALL, Tim. Prisioneiros da Geografia: Dez mapas que contam tudo o que você precisa saber sobre política global. Intrínseca, 2015.
MEARSHEIMER, John J. A Tragédia da Política das Grandes Potências. Norton, 2001.
MOÏSI, Dominique. Geopolítica da Emoção: Como as culturas do medo, da esperança e da humilhação estão remodelando o mundo. Elsevier, 2009.
NAÍM, Moisés. O Fim do Poder: Nas empresas, na política e na vida cotidiana, por que estar no topo nunca foi tão difícil. Leya, 2013.
NYE, Joseph S. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: PublicAffairs, 2004.
POWER, Dan. Geopolítica Hoje: Análise da situação geopolítica mundial e o novo equilíbrio de poder no cenário geopolítico global. Independente, 2023.
RATZEL, Friedrich. Political Geography. Macmillan, 1897.
SPYKMAN, Nicholas J. America’s Strategy in World Politics: The United States and the Balance of Power. Harcourt, 1942.
Conclusão: O Grande Teatro do Absurdo (Com Pipoca Paga pelo Contribuinte)
Eis a geopolítica em sua essência mais pura: um jogo de tabuleiro com peças de carne humana, onde o vencedor é sempre aquele que finge não saber que o tabuleiro está manchado de sangue. Mackinder, Spykman, Brzezinski — todos geniais em sua capacidade de disfarçar ambição sob mapas coloridos e teorias pomposas. “Heartland”, “Rimland”, “choque de civilizações”… Nomes tão poéticos para descrever a mesma velha ladroagem: rachar o mundo como um bolo de aniversário e distribuir os pedaços entre quem tem a faca mais afiada.
A geopolítica é a arte de transformar tragédias em PowerPoints estratégicos. Guerras? Meros “ajustes de mercado”. Colonização? Agora chamamos de “parcerias win-win”. E o melhor de tudo: sempre há um acadêmico de gravata para justificar por que desta vez é diferente — mesmo que o resultado seja o mesmo de sempre: rios de dinheiro fluindo para os mesmos bolsos, enquanto o resto mastiga migalhas de ideologia.
E que dizer do “complexo industrial-militar”? Ah, sim! A máquina mais eficiente já inventada: transforma seres humanos em estatísticas, países em zonas de livre saqueio, e ética em um conceito “ingênuo” para hippies. Quem precisa de vilões de filme B quando temos think tanks que calculam, com precisão contábil, quantas crianças cabem em um buraco de bala antes que a opinião pública precise de uma nova hashtag?
No fim, a geopolítica é como um reality show: todo mundo sabe que é armado, mas assistimos porque adoramos torcer pelos tiranos de estimação. E quando a temporada termina em caos, não há problema — sempre haverá uma nova teoria, um novo “inimigo civilizacional”, ou um petróleo convenientemente localizado sob uma democracia frágil para justificar a próxima temporada.
Então, brindemos! Às custas do próximo colapso, ao lucro dos que vendem armas e discursos, e à nossa própria incapacidade de parar de aplaudir enquanto o palco pega fogo. Afinal, como diria Mearsheimer com um sorriso irônico: “É só business, pessoal. Tragédias? Ah, isso é detalhe da plateia.”
(Curta-metragem patrocinado por: OTAN, Corporação X e Sua Inevitável Cumplicidade Silenciosa. Assine nosso pacote premium para a próxima crise!)