Nos bastidores das grandes negociações e disputas internacionais, a geopolítica atua como uma força determinante — e não apenas quando falamos de conflitos militares. Ela se manifesta em acordos comerciais, decisões estratégicas e avanços tecnológicos. Com o mundo cada vez mais conectado, graças às cadeias produtivas e às tecnologias de comunicação, entender a geopolítica é como ter um mapa privilegiado para decifrar a competição e a cooperação entre nações.
Um exemplo disso está nas rotas marítimas que cortam o planeta: Estreito de Ormuz, Estreito de Malaca, Canal de Suez e Canal do Panamá. Quem controla ou influencia essas passagens detém uma vantagem significativa, pois elas funcionam como a “corrente sanguínea” do comércio global, transportando petróleo, gás natural e inúmeros produtos. Ao mesmo tempo, regiões de interesse geoestratégico, como a Península da Crimeia ou o Mar do Sul da China, mostram como a geografia alimenta rivalidades históricas e fomenta parcerias geopolíticas.
A construção de um campo de estudo
A geopolítica, como disciplina, nasceu entre o final do século XIX e o início do XX, inspirada por estudiosos como Friedrich Ratzel (1844–1904) e Rudolf Kjellén (1864–1922). Ratzel, marcado pelo darwinismo social, via o Estado como um organismo vivo que precisa de território para “sobreviver” — conceito que ficou conhecido como Lebensraum. Kjellén, por sua vez, foi quem cunhou o termo “Geopolítica”, destacando que fatores físicos — como clima, localização, fronteiras e recursos — moldam de forma decisiva as estruturas políticas dos Estados.
Seguindo essa linha, surgiram as teorias clássicas de poder territorial. Halford J. Mackinder (1861–1947) defendia que o controle do “Heartland” — essencialmente a Eurásia — seria a chave para a liderança mundial. Nicholas Spykman (1893–1943) discordou, propondo a ideia de “Rimland”: controlar as faixas litorâneas da Eurásia para isolar o “coração” do continente. Já Alfred Thayer Mahan (1840–1914) deu ênfase ao poder marítimo, argumentando que uma marinha forte e o domínio das rotas oceânicas de comércio poderiam definir o sucesso político e econômico de uma nação.
Com o tempo, a geopolítica foi se ampliando. A chamada Geopolítica Crítica considera narrativas, identidades nacionais e discursos midiáticos na formulação de estratégias, enquanto a Geoeconomia destaca a competição por mercados, tecnologias e cadeias de fornecimento globais.
Recursos em disputa
Petróleo e gás natural ainda são os recursos mais estratégicos do planeta, pois abastecem boa parte do mundo. Não à toa, regiões como o Golfo Pérsico e o Mar Cáspio são alvo de vigilância constante e de acordos (ou embargos) que visam cooperação ou contenção. A água também entra nessa equação: em áreas de escassez ou em bacias compartilhadas, ela se torna foco de possíveis conflitos, como acontece no Rio Nilo, envolvendo Egito, Etiópia e Sudão. Além disso, minérios críticos — como terras raras e lítio — compõem a “espinha dorsal” de tecnologias avançadas. Países com grandes reservas ganham poder de negociação, influenciando disputas comerciais e diplomáticas.
Conflitos, alianças e influências
Hoje em dia, batalhas geopolíticas vão além do campo militar. Ataques cibernéticos, espionagem industrial e manipulação de informações são “armas híbridas” em pleno uso. O conflito entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, não se resume a território, mas envolve rotas de gás, acesso marítimo e fortes questões de identidade nacional. Já no Mar do Sul da China, a construção de ilhas artificiais pela China e os atritos com países vizinhos representam uma disputa por controle das rotas comerciais e de potenciais reservas de petróleo e gás.
Em paralelo, blocos regionais como a União Europeia (UE) e o Mercosul ilustram como a integração econômica pode aumentar o poder de barganha. A UE, criada para manter a paz na Europa, evoluiu e se tornou um bloco político e monetário de peso, influente em escala global. Já o Mercosul, focado no desenvolvimento sul-americano, enfrenta desafios, mas mantém seu papel de cooperação regional.
Meio ambiente e o tabuleiro global
A transição energética, motivada pelos desafios climáticos, está redesenhando o mapa do poder. Áreas com grandes reservas de lítio, como Bolívia, Chile e Argentina, ganharam destaque, enquanto países dependentes de combustíveis fósseis se esforçam para diversificar suas economias. No Ártico, o derretimento das camadas de gelo vem abrindo novas rotas marítimas e possibilidades de exploração, intensificando a corrida entre Rússia, Canadá e Estados Unidos.
O fator ambiental, portanto, já não pode ser ignorado no cenário geopolítico. Acordos como o de Paris mostraram que a imagem externa de um país depende também de suas práticas sustentáveis, evidenciando que a geopolítica atual não se resume a tanques e bases militares.
Brasil no jogo global
O Brasil, com seu vasto território, grande disponibilidade de água doce e reservas minerais significativas, surge como um ator de enorme potencial. O pré-sal reforça sua importância no mercado de energia, enquanto o agronegócio o posiciona entre os maiores exportadores de alimentos, especialmente para China e União Europeia. No entanto, deficiências em infraestrutura e logística ainda limitam parte desse potencial. Além disso, para consolidar sua influência na América do Sul, o país precisará investir na integração regional em meio às turbulências políticas e econômicas.
Rumo a um mundo em constante transformação
Com disputas por recursos — água, energia, minérios críticos — e o crescimento de potências emergentes, a geopolítica se torna cada vez mais complexa. Entender esse “tabuleiro global”, no qual cada nação ou bloco busca defender seus interesses, é fundamental não só para líderes e políticos, mas para qualquer cidadão que queira compreender as forças que moldam nosso futuro. Em um contexto marcado por avanços tecnológicos e guerras híbridas, a habilidade de interpretar movimentos diplomáticos, alianças comerciais e intervenções militares pode definir o destino de projetos nacionais e de regiões inteiras.
No fim das contas, a geopolítica é o estudo de como nós, seres humanos, decidimos jogar um tabuleiro em escala planetária, usando montanhas, oceanos e fronteiras imaginárias como peças de um quebra-cabeça sem fim. Governantes, generais e grandes empresários tentam ditar o valor e o destino de cada pedaço de terra — ou de mar — como se fosse um xadrez interminável, no qual nunca se dá um xeque-mate definitivo.
E por que estudar geopolítica? Porque, queira ou não, todos nós fazemos parte desse tabuleiro, mesmo que nos enxerguemos como reis ou rainhas. Compreender como o mundo gira — às vezes para frente, às vezes para trás — ajuda a perceber por que algumas peças avançam e outras ficam encurraladas. É também um lembrete de que, enquanto nos distraímos, aqueles que conhecem as regras (e, de vez em quando, as burlam) continuam movendo as peças para moldar o futuro de todos. Em resumo, estudar geopolítica é sair do papel de simples marionete e questionar os fios que nos conduzem.
Referências Bibliográficas
KJELLÉN, R. Der Staat als Lebensform. Leipzig: S. Hirzel, 1917.
MACKINDER, H. J. The Geographical Pivot of History. The Geographical Journal, v. 23, n. 4, p. 421–437, 1904.
MAHAN, A. T. The Influence of Sea Power upon History, 1660–1783. Boston: Little, Brown and Company, 1890.
RATZEL, F. Politische Geographie, oder die Geographie der Staaten, des Verkehrs und des Krieges. München: R. Oldenbourg, 1897.
SPYKMAN, N. The Geography of the Peace. New York: Harcourt, Brace and Company, 1944.
(Para fins didáticos, optou-se por obras clássicas dos autores mencionados. Para assuntos e discussões contemporâneas, continue nos acompanhando em nossas próximas postagens e materiais.)