Trump Quer Groenlândia e Gaza? A CIA Já Mostrou Como se Faz

Desde sua fundação em 1947 como sucessora do Escritório de Serviços Estratégicos (OSS), a Agência Central de Inteligência (CIA) tem sido retratada como guardiã da liberdade e da segurança global. No entanto, uma análise histórica detalhada revela uma instituição cujas ações frequentemente contradizem os valores democráticos que afirma defender.

Em 1986, Ronald Reagan afirmou: “Os homens e mulheres da Agência Central de Inteligência, sem vocês, a segurança de nossa nação seria mais vulnerável, nossa proteção seria falha e estaríamos em perigo. O trabalho que vocês realizam todos os dias é essencial para a sobrevivência e a disseminação da liberdade humana. Vocês continuam sendo os olhos e os ouvidos do mundo livre. Vocês são o fio de disparo sobre o qual o regime totalitário deve tropeçar em sua busca pela dominação global”. Essa retórica, repetida por décadas, constrói a CIA como guardiã da democracia. No entanto, a história revela uma instituição que, sob o véu do patriotismo, operou como um poder paralelo, cometendo atrocidades que a qualificam não como defensora da liberdade, mas como arquiteta de um terrorismo de Estado. Este artigo examina o papel da CIA como agente de interferência geopolítica, violações sistemáticas de direitos humanos e perpetuação de um imperialismo moderno, questionando a narrativa oficial que a celebra como defensora da “ordem livre”, enquanto na realidade ela é o maior grupo terrorista institucionalizado do mundo.

A CIA não se limita a coletar informações; ela molda ativamente o cenário político global. Um estudo publicado no Journal of Cold War Studies (2019) identificou 81 intervenções da agência entre 1945 e 2000, incluindo golpes, manipulação eleitoral e assassinatos de líderes. A justificativa recorrente era o combate ao comunismo, mas os arquivos desclassificados revelam motivações mais prosaicas: proteger interesses econômicos de corporações norte-americanas e garantir acesso a recursos estratégicos, como petróleo e minerais. Essa prática foi admitida abertamente por James Woolsey, ex-diretor da CIA, em uma entrevista à Fox News em 2016. Questionado sobre interferências em eleições, Woolsey respondeu: “Oh, provavelmente! Mas foi pelo bem do sistema, para evitar que os comunistas tomassem o poder, por exemplo, na Europa em 47, 48, 49 — os gregos e os italianos.” Quando pressionado sobre se isso ainda ocorria, podendo ter a chance de mentir, ele riu e disse: “Bem, só por uma boa causa.” Essa confissão não apenas confirma a continuidade dessas ações, mas expõe uma justificativa cínica que legitima a subversão de democracias.

Em 1953, a CIA orquestrou a Operação Ajax para derrubar Mohammad Mossadegh, primeiro-ministro democraticamente eleito do Irã. A motivação foi a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company (hoje BP), que ameaçava os lucros britânicos e americanos. A CIA, em parceria com o MI6, executou a Operação Ajax: pagou gangues para incitar violência em Teerã, fabricou notícias falsas sobre supostos laços comunistas de Mossadegh e subornou militares para garantir o apoio ao xá Reza Pahlavi. O resultado foi uma ditadura de 26 anos, sustentada pela Savak (polícia secreta treinada pela CIA), que torturou e executou milhares de opositores. O governo dos Estados Unidos desclassificou oficialmente documentos detalhados sobre a Operação Ajax em 2013, marcando o 60º aniversário do golpe de 1953 no Irã. Essa desclassificação incluiu relatórios internos da CIA que confirmaram o papel central da agência na derrubada do primeiro-ministro Mohammad Mossadegh. Então até 2013, os EUA mentiu ao público americano e ao mundo ao apresentar a deposição do primeiro ministro como uma “revolta espontânea”. Mossadegh, preso e condenado por traição, tornou-se um símbolo da resistência ao imperialismo ocidental, enquanto o Irã mergulhava em décadas de instabilidade.

Apenas um ano depois, a CIA voltou-se contra Jacobo Árbenz, presidente eleito da Guatemala, cujas reformas agrárias ameaçavam os lucros da United Fruit Company (UFCO), um conglomerado americano que controlava 42% das terras cultiváveis do país. A Operação PBSUCCESS foi um exemplo claro de como interesses corporativos moldaram a política externa dos EUA. A CIA, a pedido da UFCO, treinou guatemaltecos na Nicarágua e lançou uma campanha de propaganda anticomunista, acusando Árbenz de ser um “marionete de Moscou”. A invasão liderada por Carlos Castillo Armas, um militar treinado pela CIA, instalou uma junta militar que reverteu as reformas e iniciou uma era de ditaduras apoiadas pelos EUA. Estima-se que, nas décadas seguintes, milhares de guatemaltecos tenham sido mortos, segundo a Comissão da Verdade da ONU. A UFCO manteve seus privilégios até 1971, enquanto a Guatemala tornou-se um “Estado cliente” dos EUA, evidenciando como a CIA prioriza lucros corporativos sobre a democracia.

O golpe militar de 1964 no Brasil não foi um evento isolado, mas parte de uma estratégia coordenada pelos Estados Unidos para garantir o alinhamento da América Latina ao capitalismo ocidental. Diversos documentos desclassificados em 2018, compilados nos “Foreign Relations of the United States”, confirmam que a CIA operou em múltiplas frentes para desestabilizar o governo de João Goulart. Para isso, a agência norte-americana implementou a Operação Brother Sam, que envolveu o envio de navios da Marinha dos EUA – como o USS Forrestal – para a costa brasileira, com o objetivo de apoiar os militares golpistas caso houvesse resistência. Simultaneamente, a CIA canalizou recursos para grupos civis, direcionando verbas ao Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), responsável pelo financiamento de campanhas de deputados anticomunistas e pela organização de manifestações emblemáticas, como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada em 19 de março de 1964. Além disso, a agência participou do treinamento de torturadores, instruindo oficiais do Exército brasileiro – entre eles, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – na Escola das Américas, no Panamá, um centro financiado pelos EUA que ministrava técnicas de contrainsurgência, incluindo métodos de tortura.

A partir da consolidação do golpe, o regime militar instalou um aparato repressivo que se intensificou com o advento do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), decretado em 1968, o qual suspendeu direitos constitucionais e legalizou a perseguição política. Sob o governo do general Emílio Garrastazu Médici, entre 1969 e 1974, a repressão foi sistematizada por meio do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), órgãos diretamente assessorados por agentes da CIA. Estes centros, como o DOI-CODI, aplicavam técnicas de interrogatório coercitivo aprendidas em manuais da própria agência, como as “Palestras sobre Contrainsurgência” de 1963. Paralelamente, o regime impôs uma rigorosa censura cultural, monitorando artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso, cujas músicas eram tidas como subversivas por criticarem a ditadura.

No Chile, o golpe de 1973 contra o presidente democraticamente eleito Salvador Allende se apresenta como o exemplo mais explícito da intervenção dos Estados Unidos para aniquilar projetos de justiça social que desafiassem o capitalismo. Após a eleição de Allende em 1970, a CIA iniciou a Operação FUBELT, pessoalmente aprovada por Richard Nixon, que passou por uma primeira fase de sabotagem econômica. Nesta etapa, os EUA pressionaram instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a cortarem empréstimos ao Chile, enquanto a agência financiava greves de caminhoneiros – como a paralisação ocorrida em outubro de 1972 – e sabotava a produção de cobre, principal produto de exportação do país, por meio da paralisação de maquinários em minas estatais. Adicionalmente, a distribuição de dólares falsos pela CIA contribuiu para uma instabilidade econômica que culminou em uma inflação recorde de 606% em 1973.

A segunda fase da intervenção chilena concentrou-se na preparação do golpe, momento em que a CIA identificou o general Augusto Pinochet como o aliado ideal para derrubar Allende. Documentos da época revelam que oficiais chilenos receberam treinamento na Escola das Américas, aprendendo táticas de guerra psicológica, enquanto a agência efetuava o envio clandestino de armamento – como rifles M-16 e granadas – através da fronteira com a Argentina. Campanhas de propaganda falsa também foram disseminadas por rádios clandestinas, como a Radio Agricultura, que propagavam mensagens alarmistas, afirmando que Allende planejava executar seus opositores, de forma a justificar a necessidade de intervenção militar.

Após o bombardeio ao Palácio de La Moneda, a CIA manteve uma presença permanente no Chile para assessorar a DINA (Dirección de Inteligencia Nacional), a temida polícia secreta do regime de Pinochet. Entre 1973 e 1990, o país foi palco de centros de tortura em localidades como Villa Grimaldi e Colônia Dignidad, onde prisioneiros eram submetidos a técnicas desumanas, que incluíam até métodos de afogamento. Além disso, a Operação Condor – coordenada pela CIA – criou uma rede que interligava as ditaduras do Cone Sul, permitindo a perseguição implacável de exilados políticos; um dos casos mais notórios foi o assassinato do ex-ministro Orlando Letelier em Washington, em 1976, executado com o apoio logístico da agência. A eliminação de testemunhas também foi uma tática recorrente, exemplificada pelo brutal destino do músico Víctor Jara, que teve suas mãos amputadas antes de ser fuzilado no Estádio Nacional, enquanto cerca de 40 mil pessoas foram presas durante a repressão.

Tanto no Brasil quanto no Chile, a atuação da CIA revela um padrão sistemático de engenharia do terror de Estado. As operações de desestabilização econômica, a cooptação de elites locais e o extermínio de dissidentes seguiram um manual de violência que teve início com intervenções anteriores. Essa estratégia não só garantiu a manutenção da hegemonia capitalista, mas também construiu regimes autoritários alicerçados no medo e na impunidade, uma vez que nenhum agente envolvido nessas operações foi julgado por crimes cometidos no Brasil ou no Chile. A realidade desses episódios demonstra que o “mundo livre” proclamado em discursos oficiais, como os de Reagan, foi erguido sobre os sacrifícios e as perdas de militantes, operários e comunidades inteiras, enquanto os arquivos que detalham essas intervenções permanecem, em grande parte, ocultos.

Em suma, a intervenção da CIA na América Latina por meio de golpes, torturas e manipulação política não apenas destruiu projetos democráticos e de justiça social, mas também perpetuou um legado de violência e repressão que continua a impactar as sociedades contemporâneas. Enquanto a verdade sobre essas operações permanecer oculta, o mito da democracia sustentada pelo terror se mantém como um triste lembrete de que, para a manutenção da hegemonia, o preço pago por liberdade e justiça pode ser incalculável.

Além dos golpes políticos, a atuação da CIA estende-se a práticas que se enquadram, em essência, como terrorismo de Estado. O financiamento de operações por meio do tráfico de drogas é uma das táticas mais controversas, onde aeronaves da agência eram utilizadas para o contrabando de substâncias ilícitas, sobretudo durante a Guerra do Vietnã. Essa prática não só gerava lucros substanciais, os quais eram reinvestidos em mais intervenções, como também contribuía para a disseminação de drogas que corroíam o tecido social americano. Na década de 1970, aviões da Air America (empresa-fantasma da CIA) transportaram heroína do Laos e Tailândia para o Vietnã, onde soldados norte-americanos se tornaram dependentes. O lucro foi usado para financiar a guerrilha Hmong, aliada contra o Vietcong. Gary Webb, jornalista do San Jose Mercury News, expôs em 1996 como a CIA permitiu que traficantes nicaraguenses da Contra inundassem Los Angeles com crack nos anos 1980, usando os lucros para armas. Webb foi perseguido pela mídia tradicional e encontrado morto em 2004 com dois tiros na cabeça — classificado como suicídio.

O Projeto MK-Ultra, conduzido pela CIA entre 1953 e 1973, representa um dos capítulos mais sombrios da experimentação humana patrocinada por um Estado. Com um orçamento equivalente milionário e 149 subprojetos clandestinos, o programa visava desenvolver técnicas de controle mental para “combater a ameaça comunista” — uma justificativa que encobria a obsessão da agência em dominar a mente humana como arma geopolítica. Inspirado em experimentos nazistas revelados durante os Julgamentos de Nuremberg — e impulsionado por cientistas recrutados via Operação Paperclip —, o MK-Ultra foi coordenado pelo químico Sidney Gottlieb, sob aprovação do diretor da CIA, Allen Dulles. A lógica era simples: se os EUA não explorassem os limites da psique humana, o “Inimigo” o faria.

Em Montreal, o psiquiatra Ewen Cameron, financiado pela CIA, submeteu pacientes a condução psíquica — combinação de eletrochoques (até 360 volts), coma induzido por insulina e privação sensorial por semanas. O objetivo era “apagar” a personalidade para reprogramá-la. Uma vítima, Jean Martin, perdeu a capacidade de falar e controlar funções corporais após 101 dias de tortura. Frank Olson, bioquímico da Divisão de Guerra Biológica do Exército dos EUA, tornou-se um emblema do MK-Ultra. Em novembro de 1953, durante um retiro da CIA em Deep Creek Lake, Olson foi drogado com LSD sem seu conhecimento. Nos dias seguintes, desenvolveu paranoia grave, relatando à esposa que “descobrira coisas horríveis”. Em 28 de novembro, seu corpo foi encontrado no 13º andar do Hotel Statler em Nova York. A CIA declarou o caso um “suicídio por psicose induzida por LSD”, mas evidências posteriores revelaram que o relatório de autópsia foi forjado, omitindo ferimentos consistentes com agressão física. Além disso, sua pesquisa sobre métodos de dispersão de patógenos em áreas urbanas levantou suspeitas de que seu “suicídio” visava silenciar vazamentos. Em 1994, o ex-agente Robert Lashbrook admitiu à família Olson que Frank foi empurrado da janela após ameaçar expor o MK-Ultra. A família Olson recebeu US$ 750 mil em indenização em 1975 — um acerto que, longe de encerrar o caso, expôs o padrão de assassinato institucionalizado. Apesar da destruição de muitos arquivos, relatos de sobreviventes mostram a extensão da barbárie, como tentativas de apagar memórias ou induzir obediência cega.

Após o 11 de Setembro, a CIA adotou oficialmente técnicas de “interrogatório intensificado”. A persistência da CIA em utilizar métodos brutais é evidenciada pelos relatos oriundos das prisões secretas onde práticas de tortura foram sistematicamente aplicadas. Durante a Guerra do Iraque, imagens chocantes de locais como Abu Ghraib trouxeram à luz técnicas desumanas: afogamento, privação de sono, confinamento em espaços minúsculos, posições de estresse forçado e outras formas de violência que ultrapassam qualquer limite ético ou moral. Em prisões secretas no Iraque, Afeganistão e Leste Europeu, detidos como Abu Zubaydah foram submetidos a sessões de afogamento (83 vezes no seu caso), confinamento em caixas de 50cm³, e exposição a temperaturas extremas. Relatórios do Senado dos EUA (2014) confirmaram que 26 dos 119 presos em prisões secretas eram inocentes, e que a tortura não produziu inteligência útil — apenas confissões falsas. A agência ainda terceirizou a violência: contratou psicólogos militares para desenvolver métodos de tortura e treinou equipes estrangeiras para executá-los, para manter uma “integridade plausível”.

Nos anos 1950, a Operação Mockingbird recrutou jornalistas de veículos como The New York Times e Time Magazine para publicar artigos pró-CIA e descreditar críticos. Em 1975, o Comitê Church revelou que a agência controlava mais de 200 veículos de mídia globalmente, incluindo editoras que produziram 1.200 livros censurados ou escritos por agentes. Na era digital, contratos com Amazon, Google e Microsoft ampliaram sua capacidade de vigilância e manipulação de dados, moldando algoritmos e narrativas globais.

A CIA encarna uma contradição fundamental: enquanto Reagan a exaltava como defensora da liberdade, suas ações revelam uma máquina de opressão dedicada a preservar o domínio dos EUA. Os golpes no Irã, Guatemala e Brasil, a tortura em Abu Ghraib, o narcotráfico no Vietnã e a manipulação midiática não são exceções, mas a essência de sua operação. Como admitiu o ex-diretor James Woolsey em entrevista à Fox News (2016), a agência continua a interferir em eleições “por boas causas”, expõe a hipocrisia de uma instituição que justifica atrocidades com moralidade seletiva.

A persistência dessas práticas, mesmo após exposições públicas, sugere uma estrutura de impunidade arraigada. Enquanto a CIA operar sob sigilo e sem prestação de contas ou responsabilidade, seu legado continuará a ser o de uma organização terrorista com recursos estatais — não um defensor da liberdade, mas um carcereiro da hegemonia global. A abolição da CIA e a abertura total de seus arquivos não são apenas demandas éticas, mas pré-requisitos para qualquer projeto genuíno de justiça internacional.

Referências 

Entrevista com James Woolsey

Western Hemisphere Institute for Security Cooperation

CIA Confirms Role in 1953 Iran Coup

1953 Golpe de Estado Iraniano

CIA and Assassinations: The Guatemala 1954 Documents

1954 Golpe de Estado Guatemala

1964 Golpe de Estado Brasil

BRAZIL: Torture Techniques Revealed in Declassified U.S. Documents

Chile and the United States: Declassified Documents Relating to the Military Coup, September 11, 1973

CIA drug trafficking allegations

MK-Ultra

MK-Ultra: The CIA’s secret pursuit of ‘mind control’

Enhanced interrogation techniques

Committee Study of the Central Intelligence Agency’s Detention and Interrogation Program

Report: CIA’s enhanced interrogation techniques ‘brutal’ and ‘ineffective’

Operation Mockingbird

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