(Texto retirado do livro “Cadáveres de Esperança no Deserto do Capital”)

O liberalismo econômico clássico, formulado por Adam Smith no século XVIII, baseia-se na ideia de que a concorrência entre os agentes do mercado leva ao progresso econômico e social. Em sua obra mais conhecida, A Riqueza das Nações (1776), Smith argumenta que, em um livre mercado, as empresas e os indivíduos, ao buscarem o próprio interesse, acabam promovendo o bem-estar coletivo. O livre mercado, através da lei da oferta e da demanda, esse mecanismo, que ele chamou de “mão invisível”, garantiria a alocação eficiente dos recursos, o crescimento da economia e o constante desenvolvimento tecnológico, que é motivado por interesses próprios de acumular lucros. Sob essa perspectiva, a concorrência é vista como um motor da inovação: para atrair consumidores, empresas são incentivadas, por interesses próprios, a melhorar seus produtos, reduzir custos e introduzir novas tecnologias.

Entretanto, Karl Marx, ao analisar o capitalismo em sua fase industrial, identificou um paradoxo nessa teoria. Em O Capital, Marx argumenta que a concorrência, longe de garantir equilíbrio e progresso, gera um processo inevitável de concentração de capital. Para sobreviverem, as empresas são forçadas a reduzir custos, aumentar sua produtividade e eliminar concorrentes. Esse movimento leva à centralização da riqueza e, eventualmente, à formação de monopólios e oligopólios, nos quais poucas corporações controlam setores inteiros da economia. Na prática, o objetivo de toda empresa não é manter a concorrência viva, mas sim superá-la e eliminá-la. O livre mercado cria as condições para que negócios cresçam e acumulem poder, e quanto mais bem-sucedida uma empresa se torna, mais recursos ela tem para sufocar ou absorver seus concorrentes.

Um dos exemplos mais emblemáticos desse fenômeno foi a ascensão da Standard Oil, de John D. Rockefeller. Inicialmente, a empresa prosperou em um ambiente competitivo, mas, ao longo do tempo, consolidou seu monopólio no setor petrolífero dos Estados Unidos. No final do século XIX, John D. Rockefeller fundou a Standard Oil em um cenário de intensa concorrência no setor petrolífero dos Estados Unidos. Inicialmente, a empresa operava num ambiente relativamente competitivo, onde diversos pequenos produtores e refinarias disputavam o mercado. No entanto, Rockefeller se destacou por sua visão estratégica e por implementar práticas empresariais que hoje seriam consideradas anticompetitivas. Ele comprava ou forçava a saída de outras empresas do mercado, consolidando a produção e o refino do petróleo sob o controle da Standard Oil. Essa estratégia de absorção eliminava a concorrência e criava uma barreira quase intransponível para novos entrantes.

Além de dominar a produção, a Standard Oil investiu pesadamente no controle da infraestrutura necessária para refino e distribuição. Possuir oleodutos, tanques de armazenamento e instalações de refino permitiu à empresa reduzir custos e aumentar sua eficiência operacional, consolidando ainda mais sua posição dominante. Um dos trunfos de Rockefeller foi estabelecer acordos com as companhias ferroviárias, que transportavam o petróleo. Essas negociações garantiram tarifas preferenciais e descontos significativos, reduzindo os custos logísticos e proporcionando uma vantagem competitiva desproporcional em relação aos concorrentes.

À medida que a Standard Oil expandia seu domínio, seu poder de mercado passou a ser cada vez mais evidente. O controle quase absoluto sobre a cadeia de produção e distribuição de petróleo permitiu que a empresa determinasse os preços e influenciasse as condições do mercado de forma unilateral. Essa concentração de poder despertou a atenção das autoridades e da sociedade, que começaram a questionar os métodos monopolísticos empregados. Em 1911, após uma longa batalha judicial, a Suprema Corte dos Estados Unidos concluiu que a Standard Oil violava as leis antitruste e determinou sua dissolução. A empresa foi dividida em diversas companhias menores, muitas das quais evoluíram para gigantes do setor, como ExxonMobil e Chevron.

Essa decisão marcou a história das políticas de concorrência e na regulamentação do mercado, evidenciando que a concentração de poder econômico, mesmo que inicialmente justificada pela busca da eficiência, pode se transformar em um obstáculo para a verdadeira competitividade. Rockefeller utilizou estratégias como aquisição de concorrentes, controle da infraestrutura de refino e distribuição, além de acordos com ferrovias para obter tarifas preferenciais. Enquanto a teoria liberal defende que a livre concorrência levaria a um mercado equilibrado e ao bem-estar coletivo, o caso de Standard Oil mostra que, sem mecanismos regulatórios eficazes, a competição pode se transformar em um caminho para a concentração de poder e a exclusão dos concorrentes.

O episódio evidenciou a importância da intervenção do Estado para corrigir as falhas do mercado e evitar que práticas predatórias minem a própria base da economia competitiva. Mesmo após sua dissolução, a estrutura e os ativos da Standard Oil deram origem a empresas que, até hoje, são referências globais no setor energético. Isso demonstra como a marca deixada por um monopólio pode transcender gerações e moldar o mercado de forma duradoura.

Outro exemplo clássico é o monopólio da AT&T no setor de telecomunicações. No decorrer do século XX, a AT&T emergiu como o exemplo clássico de como a concentração monopolística pode remodelar um setor inteiro – neste caso, o das telecomunicações. Originalmente fundada em um período de rápida expansão do telefonema, a AT&T não apenas acompanhou, mas moldou o crescimento desse novo meio de comunicação, transformando-se em uma potência onipresente e dominante nos Estados Unidos.

Em seus primórdios, a AT&T operava em um mercado promissor, onde a telefonia era uma tecnologia emergente e a demanda por serviços de comunicação estava em crescimento. Aproveitando esse cenário, a empresa não se limitou a fornecer serviços básicos de telefonia; ela expandiu suas operações e integrou verticalmente toda a cadeia de valor – desde a fabricação de equipamentos até a manutenção de linhas e a gestão de complexas redes de comunicação. A AT&T investiu na criação de uma infraestrutura robusta que cobria todas as etapas do processo de comunicação. Ao controlar desde a produção dos aparelhos até a distribuição e o atendimento ao cliente, a empresa reduziu custos, aumentou a eficiência e criou barreiras quase impenetráveis para novos entrantes.

Com um olhar estratégico voltado para a eliminação da competição, a AT&T absorveu ou comprou empresas menores que poderiam representar ameaças ao seu crescimento. Essa política de aquisições permitiu à empresa consolidar sua posição no mercado e ditar as condições para o setor. A AT&T também se destacou por sua habilidade em influenciar políticas públicas. Por meio de atividades de lobby e acordos informais, ela conseguiu moldar o ambiente regulatório a seu favor, dificultando a entrada de novos concorrentes e assegurando tarifas e condições que reforçavam sua posição monopolista.

Por décadas, a AT&T desfrutou de uma posição quase incontestável no mercado de telecomunicações, mas essa concentração de poder começou a gerar sérias críticas. A falta de concorrência efetiva prejudicava a inovação e, em última instância, a qualidade dos serviços prestados aos consumidores. A pressão de órgãos reguladores e a crescente insatisfação do mercado levaram a um confronto jurídico sem precedentes. Em 1982, após intensos processos antitruste, o governo dos Estados Unidos decidiu intervir. Em 1984, a Suprema Corte determinou o esmembramento da AT&T, dividindo-a em várias empresas regionais – as famosas “Baby Bells”. Essa reestruturação visava restabelecer a competição, incentivar a inovação e, sobretudo, proteger os consumidores dos efeitos deletérios de um monopólio absoluto.

A trajetória da AT&T ressalta que, mesmo quando a busca por eficiência e integração promete um mercado melhor organizado, a ausência de uma regulação robusta pode transformar essa promessa em uma armadilha de dominação econômica. A intervenção do Estado, neste caso, foi crucial para restaurar o equilíbrio e promover a competitividade. O caso evidencia como corporações de grande porte podem exercer influência desproporcional sobre as regras do jogo econômico. A experiência da AT&T serve de alerta para a importância de mecanismos de controle e transparência que impeçam o abuso de poder em mercados estratégicos.

A história da AT&T não é apenas uma narrativa sobre o sucesso empresarial; é sobre os perigos da concentração de poder e a importância vital da regulação para assegurar a competitividade e a inovação. O monopólio da AT&T, com sua integração vertical, absorção de concorrentes e influência política, exemplifica como a busca por eficiência pode, sem os devidos controles, transformar-se em um mecanismo de exclusão e estagnação. Ao forçar o desmembramento da AT&T, o governo dos Estados Unidos não apenas restaurou a dinâmica competitiva do setor de telecomunicações, mas também estabeleceu um marco na luta contra os monopólios. Este episódio histórico reafirma que, para que a liberdade econômica cumpra sua promessa, ela deve ser acompanhada de um sistema regulatório que proteja tanto os consumidores quanto a própria inovação – garantindo que o mercado seja, de fato, um espaço de oportunidades e não de dominação.

No Brasil, o Grupo Globo é, sem dúvida, uma das maiores e mais influentes conglomerados de mídia do Brasil, com uma atuação que transcende a mera produção jornalística e se estende ao molde cultural e político do país. Sua trajetória está marcada por uma capacidade única de moldar narrativas e influenciar a opinião pública, o que lhe confere um poder de influência que pode ser analisado sob diversas perspectivas.

O Grupo Globo, fundado no início da televisão brasileira, construiu ao longo das décadas uma estrutura integrada que abrange televisão, rádio, jornais e, mais recentemente, plataformas digitais. Essa multiplicidade de meios possibilita que o conglomerado alcance uma ampla parcela da população em diferentes níveis e contextos, tornando-o um ator central na formação de opiniões e na agenda política do país. A concentração de mídia, por si só, já é um fator que gera riscos para a pluralidade e a diversidade de vozes.

Um dos episódios mais controversos envolvendo o Grupo Globo diz respeito ao período que antecedeu e seguiu o golpe militar de 1964. Diversos estudos e análises históricas apontam que, em seus primórdios e durante a transição para a ditadura, a Globo — que já mostrava uma postura alinhada com determinados interesses da elite política e econômica — adotou uma linha editorial que, em muitos casos, legitimava a narrativa de “salvação” do país. Essa abordagem contribuiu para a construção de um consenso em torno da intervenção militar, apresentando o golpe como uma resposta necessária à ameaça comunista e à instabilidade política, o que facilitou a aceitação popular e a institucionalização do regime autoritário.

A maneira como os veículos de comunicação controlados pelo Grupo Globo enquadraram os eventos e os discursos políticos foi determinante para criar um atmosfera em que a ruptura com o regime democrático parecia inevitável ou até desejável para determinados setores da sociedade. Essa influência se fez presente tanto na seleção de informações quanto na ênfase dada a determinados fatos, contribuindo para uma visão de mundo que, para muitos, justificava o autoritarismo.

Além dos episódios históricos acima mencionados, há outros momentos e estratégias que ilustram o poder de influência do Grupo Globo. Através da escolha dos temas que ganham destaque em seus telejornais, revistas e jornais, a Globo exerce o poder de “agenda-setting” — ou seja, define quais questões são consideradas prioritárias para o debate público. Essa seleção, muitas vezes, pode silenciar vozes dissidentes ou marginalizar perspectivas alternativas, moldando o entendimento coletivo sobre temas complexos.

Ao longo das décadas, a Globo e seus executivos estabeleceram relações com importantes atores políticos e empresariais. Tais parcerias, muitas vezes, são utilizadas para legitimar determinadas narrativas ou para assegurar que os interesses desses grupos sejam refletidos nas coberturas jornalísticas, criando um ambiente de convergência que pode reforçar a influência do conglomerado na política.

A capacidade de moldar narrativas e influenciar a opinião pública, quando concentrada em um único grupo de mídia, levanta questões profundas sobre os limites da democracia e a necessidade de pluralidade de vozes. Quando um conglomerado como o Grupo Globo detém um poder tão expressivo, a diversidade de opiniões pode ser comprometida, dificultando a emergência de debates mais amplos e pluralistas. A crítica, portanto, não reside apenas em apontar episódios isolados, mas em reconhecer que a influência desproporcional sobre o debate público pode ter consequências de longo prazo para a saúde democrática de um país.

A formação de uma opinião pública informada e crítica depende, fundamentalmente, da existência de múltiplas fontes de informação e da liberdade para que diferentes perspectivas sejam apresentadas e confrontadas. O Grupo Globo, com sua vasta rede de veículos e sua presença quase onipresente na vida política e cultural do Brasil, ilustra de forma contundente como o poder de influência dos grandes conglomerados de mídia pode direcionar narrativas e, em última instância, moldar destinos políticos.

Também no Brasil, o setor bancário privado é amplamente dominado por um pequeno número de grandes instituições financeiras. Esse domínio caracteriza um oligopólio, onde poucas empresas controlam a maior parte do mercado, influenciando diretamente as condições de crédito, tarifas e serviços bancários. Os quatro maiores bancos privados – Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco Safra – dominam a maior parte dos ativos bancários do país, o que resulta em uma concentração de poder econômico que prejudica a competitividade, aumenta os custos para os consumidores e limita o acesso ao crédito, principalmente para as camadas mais baixas da população.

Essa concentração de poder permite que os grandes bancos influenciem as condições do mercado, sem que haja concorrência suficiente para equilibrar a balança. Isso leva a práticas anticompetitivas, onde as grandes instituições financeiras podem, por exemplo, ajustar suas tarifas, taxas de juros e comissões sem grandes pressões do mercado. A falta de competição efetiva torna o sistema bancário mais caro para os consumidores e impede a inovação em serviços financeiros, uma vez que os bancos dominantes não têm incentivos para melhorar as condições oferecidas aos clientes.

Um dos principais efeitos desse oligopólio bancário privado é a imposição de taxas e tarifas elevadas aos consumidores. No Brasil, as taxas de juros cobradas pelos bancos privados estão entre as mais altas do mundo, o que torna o crédito um luxo para grande parte da população. Mesmo com a presença de fintechs e outras alternativas no setor, a maioria dos brasileiros ainda depende dos grandes bancos privados para acesso ao crédito, e essas instituições continuam a praticar preços elevados devido à falta de concorrência direta.

Além disso, os grandes bancos privados controlam uma gama de serviços bancários essenciais, como contas correntes, cartões de crédito, empréstimos e financiamentos. A centralização desses serviços em poucas mãos faz com que os consumidores se vejam obrigados a aceitar as condições impostas por esses bancos, sem muitas opções de escolha.

A concentração bancária também contribui para a exclusão financeira, uma vez que os grandes bancos privados não têm interesse em expandir seus serviços para áreas de menor rentabilidade, como regiões periféricas ou populações de baixa renda. As agências bancárias estão concentradas nas grandes cidades e nos centros urbanos, enquanto muitas regiões ainda carecem de acesso a serviços financeiros básicos. Isso limita as possibilidades de inclusão financeira para os brasileiros, que continuam fora do sistema bancário formal.

A exclusão financeira não se limita ao acesso a agências físicas. As tarifas elevadas, a exigência de comprovantes de renda altos para o acesso a certos produtos financeiros e a falta de personalização dos serviços para diferentes públicos são barreiras que excluem a maior parte da população das possibilidades de crédito mais acessíveis. Enquanto isso, os bancos privados continuam a concentrar recursos e a beneficiar os clientes mais ricos, perpetuando as desigualdades sociais e econômicas no Brasil.

A concentração de poder nos bancos privados também têm implicações significativas para a economia brasileira. Em um mercado oligopolizado, a falta de competição impede o crescimento de novos empreendimentos e inibe a inovação. Pequenos negócios e startups, que são essenciais para o dinamismo da economia, enfrentam dificuldades para acessar crédito a taxas justas, o que impede a expansão e o fortalecimento dessas empresas. Além disso, a falta de concorrência efetiva faz com que os bancos privados não tenham incentivos para melhorar seus serviços ou inovar em soluções financeiras.

Mais recentemente, a ascensão de gigantes da tecnologia como Google e Amazon demonstra como a lógica da centralização de mercado continua a se repetir. A Amazon, por exemplo, começou como uma livraria online, mas, com o tempo, expandiu seu domínio para outros setores, utilizando seu poder para sufocar concorrentes menores e controlar a infraestrutura do e-commerce. Gigantes como Amazon e Google começaram como startups inovadoras, mas cresceram até o ponto de estabelecer monopólios quase intransponíveis. A Amazon, por exemplo, não apenas domina o e-commerce, mas controla sua própria rede de logística, infraestrutura digital (com o Amazon Web Services) e até o mercado editorial. Pequenos vendedores dependem da plataforma para alcançar clientes, mas também são sufocados pelas taxas e pelo controle da visibilidade de seus produtos.

Esses exemplos demonstram como o liberalismo econômico se contradiz: a ideia de um mercado autorregulado, onde a concorrência é constante, esbarra na realidade de que, quando uma empresa adquire poder suficiente, ela usa esse poder para impedir novas concorrências. A acumulação de capital leva inevitavelmente à concentração de mercado, e essa concentração leva ao monopólio. A sociedade contemporânea está impregnada pelos valores do liberalismo econômico, um modelo que, na prática, já demonstrou suas contradições e limitações. O que vivemos hoje não é um mercado autorregulado e competitivo, como prega a teoria liberal clássica, mas sim um processo acelerado de concentração de poder e riqueza que redefine as dinâmicas do capitalismo global.

A promessa de liberdade, igualdade e fraternidade, lema da Revolução Francesa e base do liberalismo clássico, nunca foi plenamente realizada. Pelo contrário: esses princípios foram esvaziados de significado e substituídos por um sistema que concentra riquezas e poder nas mãos de poucos. A história do capitalismo é, portanto, uma história de concentração. Apesar do discurso sobre livre mercado e concorrência, as grandes corporações buscam constantemente eliminar rivais e consolidar sua posição dominante. Essa dinâmica levou à crise das promessas do liberalismo e ao advento de uma nova dinâmica econômica: o tecnofeudalismo.

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